domingo, 1 de outubro de 2017

Um raríssimo gravador de rolo! Conheçam o Otari MiniPro!

Pessoal, mais novidades! Temos hoje outro gravador de rolo para restauro, e desta vez um super raro - o Otari MiniPro!

A Otari tornou-se popular quando começou a produzir seus gravadores profissionais, que encontraram seu espaço em estúdios ao redor de todo mundo. A Otari foi uma empresa japonesa que conseguiu produzir maravilhosos gravadores de rolo de qualidade inigualável - se você nunca ouviu um, ouça, pois vale a pena!

A série mais famosa de gravadores da Otari são os MX-5050, linhagem da qual sua primeira versão tinha um gabinete em madeira e se chamava MiniPro: um gravador de duas pistas e velocidade de até 15 IPS. Poucas unidades desta primeira versão chegaram ao mercado, tendo logo sendo substituída por uma segunda versão com gabinete em plástico e metal (e várias outras mudanças). Isso tornou o MiniPro um gravador raríssimo e desejadíssimo entre os colecionadores de gravadores de rolo. Só se tem notícias de pouquíssimas unidades ao redor do mundo... se você tem um, guarde-o com carinho, é um dos mais raros gravadores de rolo existentes.

Ficamos muito felizes ao sabermos que teríamos a oportunidade de trabalhar em um destes aparelhos! O gravador estava bastante descuidado e com problemas (estéticos, mecânicos e eletrônicos), mas este é um equipamento que vale o investimento no restauro, sem dúvida alguma.

Os Problemas

Esteticamente, o gravador tinha muitos arranhões, o gabinete de madeira estava totalmente estufado e danificado. No entanto, o pior defeito eram os supply spindles, que estavam quebrados e totalmente oxidados.

Supply Spindle com travas quebradas e oxidado

A oxidação poderia ser removida com bastante cuidado, mas as travas quebradas e faltantes impediriam o perfeito funcionamento do aparelho, já que os carretéis nunca poderiam ser travados nos eixos. Este é um gravador raro, e peças para ele são impossíveis de se achar. Fiquei preocupado sobre a possível solução para este problema, mas algum jeito teríamos de dar... deixei este problema em segundo plano até que pudesse pensar melhor em uma solução.

Em seguida, identificamos que o gravador entrava em modo de gravação por si só, apagando a fita que estávamos tentando reproduzir. Existia um dano eletrônico que sempre colocava o gravador em REC, mesmo quando a gravação estava desabilitada e estávamos apenas selecionando a função de PLAY. Uma de nossas fitas de teste acabou sendo danificada durante os testes, por este defeito inesperado... por sorte era apenas uma fita de teste comum, e não uma de nossas fitas de calibração da MRL.

Outro problema foi identificado na serigrafia, que facilmente se apagou com o tempo em alguns botões.

Serigrafia apagada nos botões

Por fim, a calibração do equipamento estava totalmente fora de especificação. Isso já era esperado, pois o aparelho ficou parado por muitos anos sem qualquer uso. As cabeças estavam totalmente sujas e todos os guias e eixo do capstan estavam em estado lastimável... muito trabalho e pelo menos 30h de engenharia seriam gastas neste restauro. Seria um dos nossos maiores desafios até hoje, especialmente devido à total indisponibilidade de peças de reposição em qualquer lugar do mundo.

As soluções


Bem, problemas temos muitos, mas o mais importante é encontrarmos as soluções. Por sorte, o aparelho estava em estado totalmente intocado, sem qualquer peça faltante, tudo estava original. Tivemos de começar com os pontos de mais fácil solução, enquanto pensávamos sobre o que fazer com eventuais peças que teríamos de conseguir sem qualquer tipo de fonte que as tivesse em estoque.

Iniciamos os trabalhos  removendo as oxidações dos eixos e da mesa de tração dos carretéis.

Cuidadosa remoção da borracha original

Limpeza e polimento para fixação da borracha original

Em seguida, mais trabalhos estéticos foram feitos. Desta vez, partimos para a serigrafia faltante.

Limpeza do botão com serigrafia faltante

Processo de aplicação de novas inscrições

Serigrafia finalizada

Bem, era hora então de darmos um trato na madeira. Todo o gabinete teve seu acabamento refeito exatamente como era de fábrica.

Recuperação do gabinete em madeira

Os acabamentos do gabinete estavam oxidados e foram lixados e repintados.

Acabamentos em pintura

Agora vinha a parte mais difícil: o reparo eletrônico. Como sempre faço, o primeiro passo é conseguir o manual de serviço, a fim de termos em mãos todo o projeto do equipamento, para que possamos estudar seu funcionamento e então investigar as causas de um defeito. Procurei o manual por toda internet sem qualquer sucesso: somente está disponível o manual da segunda versão, que é totalmente diferente do MiniPro, que foi o único da série MX-5050 a usar toda a lógica por relés.
Nossa única solução foi enviar um e-mail a Otari e rezar para que eles pudessem nos ajudar. Infelizmente, recebemos a seguinte resposta:

"Bernardo, infelizmente este é um aparelho tão raro que nenhum dos engenheiros que ainda estão na Otari  sequer viu um deles. Pouquíssimas unidades foram fabricadas e não existe um manual de serviço para ele, sentimos muito."

Poxa, e agora? Teríamos de acrescentar mais umas 20h de restauro, pois iríamos ter de seguir metros e metros de fios amarrados, inúmeras chaves e sensores encadeados e muitos componentes eletro-eletrônicos,  para desvendarmos o circuito e desta forma interpretarmos a possível causa do defeito. Isso é o pesadelo de qualquer engenheiro, mas teria de ser feito: não existia outra solução.


Hora de desmontar tudo e fazer uma engenharia reversa

Equipamento em bancada para análise

Por eliminação, sabíamos que o defeito estava na placa de controle lógico. Resolvi focar nestes circuitos para desvendar o defeito. Mais de 8 horas de análise se passaram, até que eu tivesse um esboço básico de como os circuitos funcionavam. Pelo que imaginei, deveria haver uma pequena fuga em um dos SCR de controle, pequenos componentes eletrônicos presentes na placa 1749. 


Placa de controle


Remoção de componentes suspeitos

Como se tratava de uma pequena fuga, os componentes teriam de ser removidos um a um e testados individualmente, para que tivesse certeza de identificar o componentes correto causador da falha. Assim foi feito, até que... bingo!

SCR defeituoso

Encontramos o defeito, e por sorte se tratava de um componente relativamente comum e de fácil substituição, que sorte viu! A função PLAY e REC voltaram ao normal após os reparos, mas o gravador necessitava urgentemente de uma calibração e limpeza das cabeças. Porém, antes de calibrarmos, teríamos de reparar o eixo dos carretéis, pois a calibração exige a correta fixação dos caros carretéis de referência da MRL. Tentamos em vão encontrar substitutos, mas obviamente ninguém no mundo tinha um par deles. A solução foi recorrer ao nosso torneiro mecânico, que fez um EXCELENTE trabalho e deixou os danificados exatamente como eram como novos.

Prosseguimos com a calibração e tudo transcorreu bem. Precisávamos apenas instalar o gabinete de madeira já restaurado.

Gabinete em madeira restaurado sendo montado

Aparelho terminado... ficou lindo não ficou?

Por fim, temos um vídeo do gravador em testes após a calibração. Espero que tenham gostado de mais este restauro nosso, e continuem nos acompanhando pois em breve teremos mais novidades!




Um abraço meus amigos!

domingo, 16 de julho de 2017

Gravador de rolo Nagra IV-STC

Olá leitores e fãs de nosso Blog! Hoje temos uma restauração uma restauração diferente, pois chegou até nós um gravador de rolo Nagra!

Vou iniciar este post falando um pouco sobre o retorno dos magnéticos, ou talvez sua redescoberta no Brasil.

Gravadores de rolo sempre tiveram seu espaço em estúdios, para gravação e produção de masters. Não havia uma forma prática e de qualidade para se gravar áudio antes do surgimento dos meios magnéticos... grandes talentos não podiam ser facilmente gravados ou apresentados ao público pela falta de uma forma simples e barata de se gravar! Existiam os rolos de Edson e os discos de Shellac, mas nenhum desses meios era prático para se gravar ou regravar, até o surgimento dos meios magnéticos. Quando finalmente surgiram os gravadores em rolo, tornou-se fácil não apenas as produções profissionais, mas também gravações amadoras, sejam elas caseiras ou semi-profissionais. Os gravadores de rolo promoveram uma verdadeira revolução na música, seja em casa, nos estúdios ou nas rádios! Até hoje ainda existem muitos estúdios que querem aquele som quente e analógico, e para isso utilizam gravadores de rolo. Como bem sabemos, estes aparelhos também são muito amados por audiófilos, graças a sua qualidade ímpar. Como diz um amigo meu: 'Não existe sonoridade melhor que aquela dos meios magnéticos'.

Já há algum tempo os gravadores de rolo voltaram a despertar o interesse global, chegando ao ponto de considerarem o rolo como 'o novo vinil'. Recomendo aos nossos leitores que leiam estes dois artigos:



Este novo despertar dos gravadores de rolo trouxe até nós um gravador de rolo Nagra, modelo IV-STC. Para quem não conhece, estes pequenos e notáveis gravadores eram usados principalmente em gravações de áudio para filmagens, onde se exigia portabilidade, alta qualidade, e sincronização com vídeo. O Nagra IV rapidamente achou seu lugar neste meio, tendo sido muito utilizado ao redor do mundo. Hoje em dia, os Nagra passaram a ser desejados por audiófilos graças a suas enormes qualidades construtivas e por sua doce e maravilhosa sonoridade.

Se querem ter uma leve ideia da qualidade destes gravadores, basta reparar que os guias por onde passam as fitas são feitos em rubi. Sim, rubi, a pedra preciosa, para o menor atrito possível. A Nagra não poupou gastos no projeto dos Nagras. Rubis foram usados em relógios por séculos, como mancais de baixo atrito para os diminutos eixos das engrenagens. É claro, apenas relógios de grandes marcas usam rubis em suas máquinas, assim como a Nagra usou enormes rubis em seu maquinário de gravadores de rolo.

Pois bem, hora de prosseguirmos com nossos trabalhos... este é o Nagra que recebemos.

Nagra IV-STC

O aparelho só tinha problemas rs... não gravava, não reproduzia, mecanicamente o sistema de transporte não travava corretamente. Bem, ele ligava, mas só. De antemão já sabíamos que este Nagra tinha passado por outras mãos, que não conseguiram repará-lo. Muitas vezes a necessidade de peças raras torna os reparos financeiramente proibitivos. Será que seria este o caso aqui? Vamos descobrir.

Assim como em qualquer tipo de equipamento, o reparo em gravadores de rolo tem de seguir um certo planejamento básico: primeiro deve-se verificar e reparar os problemas mecânicos, para em seguida prosseguir-se às análises e reparos dos problemas eletrônicos. Já sabíamos que este Nagra apresentava ambos problemas, então iniciamos nossos trabalhos corrigindo as falhas mecânicas.

Falhas mecânicas

O Nagra, como o recebemos, não apresentava correto acoplamento da cinta da fita magnética com o cabeçote de gravação. Visualmente já identificávamos este problema, que era bem óbvio! Inspecionamos toda a mecânica e não encontramos nada faltando ou danificado... só nos restou acreditar que alguém já havia desmontado o aparelho antes e remontado sem o correto sincronismo do mecanismo interno.

O jeito é desmontar tudo! Começar do zero. Iniciamos removendo as correias e o motor.

Motor removido

Em seguida, prosseguimos removendo as outras polias e a cobertura do mecanismo de sincronismo.

Desmanche do sistema mecânico

Desmanche do sistema de alavanca

Desmanche da polia principal

Desmanche da proteção do sistema de sincronismo

Depois de desmontar todo o sistema mecânico, esperávamos ver um erro na montagem das engrenagens de sincronia, erro este que só poderia ter sido causado por algum curioso que trabalhou no aparelho antes de nós. Era a única explicação plausível para a falha que estávamos vendo...

Sim, definitivamente alguém desmontou e remontou tudo errado! As marcas vermelhas nas engrenagens da foto abaixo indicam como estavam as engrenagens antes do reparo. As marcas vermelhas se tocavam, o que é incorreto. O sincronismo correto é feito a partir de pequenos furos demarcados pela fábrica.

Sistema de sincronismo

Veja abaixo em detalhe as marcas de sincronismo de fábrica, e as engrenagens já removidas e reinstaladas em sua posição correta.

Sincronismo corrigido

Bem, agora o transporte funcionava adequadamente: bom wrap nas cabeças, velocidades, avanço e retrocesso em bom funcionamento. Já temos um aparelho em um estado que nos permite ir em frente para os reparos eletrônicos.

Falhas eletrônicas

Claramente estávamos lidando com um equipamento que passou pelas mãos de curiosos. Nesses casos, já sabemos que vamos encontrar muitos problemas ocasionados por terceiros, defeitos estes que não encontraríamos naturalmente em um aparelho original que apenas deixou de funcionar. Este aqui deixou de funcionar e foi totalmente fuçado, até que desistiram e deram o aparelho como irreparável.

Já sabemos que o aparelho não grava nem apaga as fitas nele colocadas. Claramente há algum problema no circuito de bias. A placa de bias foi  removida e avaliada.

Conseguem ver o problema? Tentem decifrar o que está errado na placa abaixo. É algo bem óbvio, mesmo para um olho destreinado...


Placa de bias

Se não acharam o erro, reparem bem abaixo do transformador de bias, a peça quadrada com vários pontos de solda... logo abaixo dela, faltam dois transistores! Exatamente os transistores de bias! Bingo. Novos transistores teriam de ser encomendados e instalados. Neste ponto do reparo, um técnico desavisado provavelmente apenas os substituiria por qualquer outro e pronto, imaginaria ter reparado o problema. Mas como somos experientes nestes restauros, já sabemos que se estavam faltando, tem algo errado...

Para prosseguirmos, é preciso antes:

1 - Encontrar o manual de serviço e descobrir quais os transistores originais usados. Não, não usaremos qualquer transistor. Manter a originalidade é essencial
2 - Descobrir porque deixaram a placa sem transistores. Provavelmente eles foram danificados por algum motivo, e o problema não deve ter sido sanado, já que não simplesmente substituíram por outros. Minha voz da experiência me diz que tem algo errado aqui!!

Bom, vamos nos concentrar no problema 1 inicialmente. 

Encontrar manuais de serviços hoje em dia deveria ser algo simples, e muitas vezes gratuito. Os manuais em grande parte já foram disponibilizados na internet por pertencerem a aparelhos descontinuados há muitos anos. No entanto, não existe manual de serviço disponível para os Nagra IV na internet (podem tentar achar!!). Não me restou opção senão entrar em contato direto com a Nagra.

Fomos surpreendidos pela notícia de que o manual de serviço não está disponível porque a Nagra ainda faz a manutenção nestes aparelhos!! Incrível! Mesmo após tantos anos, ainda existe demanda de uso e reparo destes gravadores. Esta foi uma boa e interessante notícia, mas a segunda notícia não era nada boa... a Nagra não mais vendia os manuais do modelo IV-STC. Até alguns anos atrás, era possível a compra do manual por pouco mais de 500 reais (um pouco caro, mas justificável). Infelizmente, já há alguns anos o manual não era mais comercializado.

Tive de trocar muitos e-mails para tentar achar uma solução, pois o manual de serviço era essencial ao reparo! Nos apresentamos como uma empresa especializada em reparos de vintage no Brasil, e conquistamos a confiança de quem nos ajudaria! Não, eles não nos venderiam o manual, mas pela metade do preço, abririam uma exceção e nos forneceriam acesso online ao manual em um de seus servidores. Era o suficiente para este reparo, e agradecemos pela ajuda :)

Bom, em frente. Já sabíamos qual transistor usar, mas permanecia a dúvida, porque quem fez o reparo antes não trocou os transistores, mas simplesmente deixou faltando? Esse tipo de situação sugere a um reparador experiente, que:

1 - Deve existir outro problema, que não foi solucionado. Os transistores ficaram queimando e o curioso simplesmente desistiu, deixando sem eles, para que o aparelho pelo menos ligasse.
2 - Se este era o caso, provavelmente acharíamos indícios de que o curioso trocou os transistores diversas vezes sem sucesso. Será? Vamos investigar...

As placas do Nagra são bem robustas, mas poderiam apresentar sinais de desgaste ou fluxo de solda dependendo da habilidade do curioso que trabalhou neste aparelho. Vamos ver.

Placa de bias - trace side

Vejam só! O curioso não apenas deixou marcas... ele destruiu as trilhas da placa de tanto que soldou e dessoldou os transistores, e no fim desistiu e deixou sem eles! Ele deve ter queimado pelo menos uma dúzia de transistores neste aparelho pelo visto.

Isso me indica que há um curto. O curioso não percebeu, e só viu que quando instalava os transistores, algo dava errado e o aparelho nem mesmo ligava (queimando o fusível) e rapidamente os transistores queimavam novamente. Ele acabou desistindo (depois de destruir a placa) e largou sem os transistores. 

Resolvi testar a teoria do curto, e, certamente, encontrei um curto direto ao ground na saída da placa de bias. Dada a lastimável situação do aparelho, resolvi continuar a análise visual do aparelho em busca de problemas óbvios para um olho treinado. Em poucos minutos achei alguns jumpers de configuração da placa de bias em desacordo com o manual de serviço.


Jumpers de bias

Os jumpers estavam configurados errado, mas isso não explicava o curto. Bem, de toda forma foram reparados... menos um defeito. Mas e o curto? Vamos por partes. O curto está na placa ou no resto do aparelho? Resolvi testar a placa individualmente conectada a uma fonte de bancada: tudo funcionou perfeitamente. o defeito estava no resto do aparelho! Poxa, agora complicou... já sei porque desistiram. Agora seria um desafio: existe um curto que pode estar em qualquer lugar do aparelho! Hora de inciar o tedioso trabalho de desmontar toda a eletrônica, isolar todos os componentes, e testar cada módulo individualmente até o problema ficar evidente.

Muitas horas de testes e muito suor depois... defeito encontrado! Existe um curto no sistema de timecode. uma análise ainda mais criteriosa revelou que um cabo coaxial oxidou internamente e entrou em curto, Um defeito dificílimo de se achar!! 

Conector com curto em um dos coaxiais

Conector desmontado para troca do cabo em curto

Ufa, curto misterioso solucionado! O problema de bias estava resolvido, mas haviam outros problemas a serem solucionados antes de um teste.

De cara, percebemos fios soltos e componentes pendurados. Acho que o curioso que trabalhou neste aparelho desistiu pela metade e devolveu ao dono pior do que recebeu!

Fios soltos

Mais uma consulta ao manual de serviços e descobrimos para onde esses fios deveriam ir. Um deles deveria estar conectado ao fusível, que foi removido completamente do circuito. Lembram-se da teoria de que o aparelho estava com a placa de bias em curto e queimando fusíveis? Este achado confirma esta teoria. Ok, tudo pronto hora de um teste!

Aparelho reconectado


Testes preliminares após reparos

Funcionou! Muito mal, mas funcionou. Neste ponto já sabíamos que o aparelho estava com todos os sistemas básicos funcionais, mas necessitava de uma reforma geral: troca de componentes fora de tolerância e recalibração geral com auxílio do manual de serviço! Mais umas 16h de trabalho e finalmente, tínhamos um Nagra em perfeito estado funcional em nossa bancada! Veja no vídeo abaixo nosso teste final do aparelho.






Espero que tenham gostado deste reparo! Este é um aparelho raro e merece uma restauração à altura. Um abraço meus amigos e até a próxima!

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Pré Amplificador VTL TL-5

Olá meus amigos!

Já postamos anteriormente a primeira parte desta série, sobre a restauração dos Amplificadores VTL MB-225. Agora vamos falar sobre o restauro do Pré VTL TL-5, do mesmo conjunto dos amplificadores.

Recebemos este Pré "funcionando" (palavras de nosso cliente), mas necessitando de uma revisão. Este pré é dividido em duas unidades: uma unidade de fonte e outra de áudio, interconectadas por dois cabos multi-vias, um para cada canal. Apesar de estar 'funcionando', um defeito já era evidente até mesmo para o proprietário: não havia aterramento comum entre as duas unidades, e o proprietário acabou improvisando um fio que conectava o chassi da fonte ao da seção de amplificação. Quando soube disso, antes dos prés chegarem, não entendi bem porque faltaria um aterramento, já que estes prés também já haviam passado por revisão nas mãos de outra pessoa. Mais uma vez nos preocupamos... será que eles estariam como os dois monoblocos, com necessidade de retrabalho? Vamos descobrir ;)

Primeiramente abrimos a fonte para uma análise visual. Nunca ligamos os aparelhos antes de desmontá-los, pois mesmo com o relato de funcionamento parcial do proprietário é difícil saber se o aparelho está em reais condições de operação. Sempre abrimos, avaliamos visualmente, fazemos alguns testes básicos e só depois procedemos a uma ligação gradual com uso de um Variac.

A inspeção visual

Iniciamos nossa avaliação pelo chassi de fonte. Este pré nem conseguiu ser aprovado nesta primeira etapa! Abrimos o aparelho e, só de olhar, já sabíamos que era 100% inseguro operá-lo nas condições em que foi recebido... veja quantos problemas foram identificados em uma rápida inspeção:


Estado da fonte ao ser aberta


Primeiramente, existiam capacitores soltos internamente, apenas 'amarrados' pelos terminais. Quem trabalhou antes nestes prés ficou com preguiça de soldar os componentes! Sim, preguiça de soldar, ou então ele nem mesmo tinha um ferro de solda (prefiro não acreditar que seja este o caso...)! Ao que tudo indica, decidiu pegar fios, enrolar ao redor dos terminais dos capacitores e deixá-los soltos, enrolados desta forma, conectados ao circuito.., dá para acreditar? Já vimos de tudo por aqui, mas ainda somos surpreendidos por algumas gambiarras inacreditáveis como esta. Ficamos extremamente chateados ao ver o tratamento que aparelhos que deveriam ser o estado da arte em amplificação sonora recebem... acabam ficando com gambiarras muito piores que aquelas achadas em radinhos chineses de 5 reais.


Capacitores pendurados e amarrados pelos terminais

Estes capacitores pendurados não apenas representam um sério problema á qualidade eletrônica da fonte, mas representam também um sério risco à segurança do proprietário. Estes capacitores alcançam tensões de mais de 300V em seus terminais! Se porventura estes componente esbarrassem no chassi de metal (que neste caso não possuía aterramento, como mencionamos antes), deixaria presente um potencial de mais de 300V, algo LETAL ao proprietário, que facilmente poderia sofrer um acidente fatal se tocasse no Pré. Nunca antes havíamos recebido um aparelho em tão mal estado em termos de segurança de funcionamento.

Aos nossos clientes e leitores, deixamos um aviso: se você tem alguma dúvida se é seguro ou não usar seu equipamento, não o utilize. Sua vida vale muito mais que qualquer aparelho. Falamos sério, o achado acima é GRAVÍSSIMO!!

Ficamos nos perguntando porque quem reparou este pré antes de nós removeu o aterramento do chassi, e só pudemos concluir que foi na tentativa de evitar que um curto ocorresse se o chassi entrasse em contato com os terminais dos componentes pendurados. Infelizmente, se foi esse o motivo, remover o aterramento só piorou as consequências de um curto: ao invés de danificar o equipamento, sem o aterramento, um curto deixaria o chassi em potencial letal, causando uma armadilha mortal ao proprietário. Isso aqui só pode ter sido fruto de uma pessoa ABSURDAMENTE INEXPERIENTE.

Em sequência, continuamos nossa análise visual. De cara encontramos também um fio solto, mais uma vez, um fio carregando um potencial de mais de 300V, totalmente 'a deriva' e sem isolamento na ponta. Mais uma vez, risco letal ao proprietário.

Fio solto no interior do aparelho

A fonte sem aterramento estava causando ruído de fundo no áudio. O proprietário conseguiu identificar isso e enrolou um fio de aterramento em dois parafusos, um em cada chassi, fornecendo o aterramento que faltava. Ao abrirmos a fonte, imediatamente confirmamos que alguém removeu o aterramento da fonte. Não havia nada conectado ao parafuso de aterramento:


Parafuso de aterramento inutilizado

Continuando nossa inspeção, percebemos mais um conjunto de capacitores soltos e apenas com seus terminais enrolados com fios, na placa de baixo. Este pré usa uma fonte dupla, separada para cada canal. A gambiarra foi feita de maneira idêntica na fonte do outro canal. Mais um risco de choque letal ao proprietário!! Neste estágio, a chance de algo ter dado muito errado durante o uso deste pré já era altíssima...

Mais capacitores flutuantes em outra placa

Depois de passado o susto destes achados inacreditáveis, prosseguimos com nossa análise de defeitos. Encontramos muitos fios chamuscados e mal soldados às placas. Quem trabalhou aqui antes realmente não tinha nem mesmo habilidade com solda.

Fios chamuscados e danificados

Além disso, encontramos também uma quantidade de fios 'sobrando', com um comprimento desnecessariamente grande. Não é um defeito, mas demonstra uma falta de cuidado e desleixo. Fica muito feito deixar um monte de fio solto a toa em um aparelho...

Fios de cumprimento inadequado e desorganizados

Fios chamuscados e mal soldados

Revestimento de fio encontrado solto dentro do aparelho

Mais fios de comprimento exagerado

Feita a inspeção visual da fonte, prosseguimos para uma análise visual do chassi de áudio. Por sorte, o estado deste chassi não era tão ruim quanto o da fonte. Apesar de algumas modificações em relação ao esquema original, tudo parecia em ordem. Como estávamos ainda no estágio da inspeção visual, nada foi feito.

Reparos


Encontrados defeitos visuais tão óbvios, antes mesmo de orçarmos a revisão, tivemos de executar alguns reparos preliminares. Não seria possível tentar ligar o aparelho no estado que estava, por motivos óbvios.

Feitos estes reparos preliminares, que forneciam um mínimo de segurança para que o pré fosse operado, prosseguimos a um avaliação mais profunda dos defeitos, orçamos a revisão e obtivemos a aprovação do proprietário. Hora de deixar tudo novo de novo :)

O primeiro defeito encontrado é que um dos canais não apresentava tensão de B+ adequada.

Tensão de B+ baixíssima

Uma análise evidenciou falha em uma das válvulas de fonte, que foi trocada.

Troca das válvulas de fonte

Em seguida, todos os defeitos relatados na fase de inspeção visual foram devidamente reparados. A fonte ficou como nova, em perfeitíssimo estado e com a fiação super organizada, como gostamos!

Fonte terminada

Terminada a fonte, focamos nos reparos do chassi de áudio. Neste aqui existiam também fios mal soldados, mas o principal problema era uma modificação feita anteriormente, e muito mal planejada!

Encontramos no chassi de áudio 4 capacitores eletrolíticos nacionais, que foram adicionados como um 'upgrade' em algum reparo anterior. 

Capacitor adicionado ao circuito

A adição do capacitor por si só não é um erro... o problema é que quem fez isso, mais que dobrou a capacitância total no primeiro estágio de remoção de ripple! O que isso significa? Que quando o pré é ligado, um ENORME pico de corrente é demandado da fonte, causando desgaste desnecessário e eventual falha nos componentes de fonte. Quem fez essa modificação, claramente não considerou este aspecto, seguindo apenas um conhecimento popular (e incorreto) que circula por aí, de que quanto mais capacitância, melhor. Já ouvi isso antes, o que demonstra claramente que falta formação teórica de alguns profissionais.

Optamos por manter dois dos capacitores eletrolíticos e remover dois deles. Foram mantidos os dois que aumentavam a capacitância do segundo estágio, mas os capacitores de primeiro estágio adicionados foram removidos a fim de evitar picos excessivos de corrente.

Feitos todos os reparos, o chassi de áudio também estava pronto!

Chassi de áudio terminado

Tudo terminado!! Prosseguimos então a nossa audição de 08h, a fim de garantir que tudo estava funcionando bem e de maneira estável. Reparos concluídos!

Conjunto terminado


Tudo pronto! Prés embalados com todo o cuidado e enviados de volta a Brasília! Nosso cliente ficou satisfeito e nós também é claro!!

Happy Listening :)

domingo, 4 de junho de 2017

Amplificadores VTL MB-225

Olá meus amigos, este é o primeiro post de dois, sobre um conjunto pré e power VTL que recebemos de um querido cliente nosso em Brasília!

A princípio apenas iríamos postar o restauro do pré, que foi bem mais interessante. No entanto, como estamos devendo muitas postagens por conta da correria, optamos por fazer dois posts, incluindo também o reparo do power.

Vamos ao trabalho? Recebemos os dois Amplificadores VTL MB-225, um par enorme de Powers pesadíssimos, com quase 200W cada um de pura magia valvulada!


VTL MB-225

Estes aparelhos chegaram até nós funcionando, mas necessitando uma revisão geral. Neste caso, o que sempre fazemos é minuciosamente testar e inspecionar TUDO no aparelho, a fim de garantir que conseguimos cercar todas as possíveis fontes de problemas, especialmente se o aparelho já passou por alguma manutenção prévia.

Será que foi o caso destes aqui? Vamos descobrir? Chegou a hora mais divertida: desmontá-los :)

Interior de um dos MB-225

Viram algo estranho na foto? Vou ajudá-los: todos os capacitores de acoplamento estão flutuando! Alguém decidiu que seria uma boa ideia remover os excelentes capacitores originais fabricados nos EUA por capacitores chineses sem marca. Para piorar tudo, não removeram corretamente os antigos capacitores, dessoldando-os: apenas cortaram os antigos e 'penduraram' os novos chineses no lugar, criando pontos de solda fria, danos a placa e até mesmo riscos de curto! Já que o serviço executado previamente neste aparelho foi tão ruim, melhor avaliarmos com cautela todo o restante, pois podem haver mais problemas...

Capacitor chinês 'flutuante'

Capacitor chinês 'flutuante' e muito mal instalado!

Sinceramente, não compreendo o motivo pelo qual quem fez este serviço não ter se dado ao mínimo trabalho de cortar os terminais dos capacitores para garantir uma melhor robustez a choque destes componentes. Fico imaginando quantos técnicos ruins estão por aí, economizando 10 segundos de trabalho a troco de um serviço absolutamente inaceitável... reflito mesmo sobre isso, pois tenho certeza que o proprietário não pagou barato por este reparo, e o técnico com certeza não deu ao aparelho o devido cuidado que ele merecia. Uma pena.

Além dos capacitores de acoplamento soltos, existiam também capacitores eletrolíticos na mesma situação. A cola original de fábrica se soltou e o reparo anterior falhou em cuidar destes problemas.

Capacitor eletrolítico solto

Uma análise mais profunda revelou problemas de solda fria nas placas, resistores danificados, fios quase arrebentados e chamuscados em alguns pontos, além de muita cola seca espalhada no interior,... uma bagunça! As válvulas de sinal de entrada 12AT7 estavam descasadas, tanto em marca como  em transcondutância, deteriorando sensivelmente a sonoridade dos aparelhos.

O reparo destes amplificadores consistiu então na troca de todos os capacitores de acoplamento por capacitores americanos de marca, além de nova fixação de todos os eletrolíticos soltos e os reparos dos pontos de solda fria e resistores danificados. As válvulas descasadas foram trocadas por um par das sensacionais Genalex B739.

Válvulas Genalex

Deu trabalho, mas valeu a pena! Vejam como a placa, depois de todos os reparos, ficou limpa e organizada, além de perfeitamente funcional, é claro ;)

Placa após os reparos

Viram os novos capacitores, devidamente soldados?

Ambos monoblocos estavam EXATAMENTE no mesmo estado e ambos passaram então pelos mesmos reparos em nossas mãos, corrigindo os defeitos encontrados e também eliminando todos os problemas causados na última tentativa de reparo.

Os aparelhos foram embalados e enviados a seu dono, que ficou satisfeito com nossos reparos! É extremamente recompensador recebermos feedbacks tão positivos de nossos clientes :)

Até a próxima meus amigos e Happy Listening!