segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Raríssimo par de pré amplificadores Scott 121-C

Olá amigos! Começamos 2016 tão atarefados que só agora pudemos criar um novo post. Como este é o primeiro do ano, será uma restauração bem especial e bem complexa!
Este post é dedicado aos que amam o som do vinil tocado por uma raridade: os Scott 121-C.

Recebi recentemente um par de pré amplificadores absurdamente raros, os Scott 121-C. Para quem não conhece, estes são considerados como o Santo Graal para quem coleciona Vinil. São prés extremamente bem construídos, que custavam uma fortuna na época. Neles utilizou-se os melhores materiais disponíveis e eram o topo de linha da Scott em seu tempo.

Estes prés possuem um circuito muito interessante, chamado Dynaural, que era exclusivo da Scott. O circuito Dynaural dividia o áudio em duas bandas e o processava separadamente, removendo ruídos e estalos do disco, sem prejudicar a qualidade. Além disso, estes foram os únicos prés comerciais com equalização analógica contínua. Isso significa que ele é capaz de equalizar qualquer disco já fabricado: um sonho para os amantes e colecionadores de vinis. Mesmo para padrões modernos, este pré possui funções extremamente avançadas que não se encontra hoje em nenhum pré de phono.


Scott 121C

O par que recebemos estava em estado de sucata, infelizmente. Chegou faltando peças, totalmente modificado e, obviamente, não funcionavam. Na verdade, nos questionamos se valia  apena restaurar ou se era melhor simplesmente descartá-los. No caso destes, o proprietário queria que fossem restaurados a despeito do elevado custo. Ficamos felizes em poder trazer de volta a vida estes prés icônicos e aceitamos o desafio!



Aparelhos no estado em que recebemos

Como pode ser visto nas fotos acima, os aparelhos chegaram em péssimo estado. Faltavam Knobs, válvulas, e até mesmo as tampas em alumínio de baixo e laterais. Uma análise rápida evidenciava que alguém no passado tentou reparar estes dois prés, mas desistiu. Curiosamente, me parece que, apesar de serem um par (com números de série próximos), dois restauradores diferentes se aventuraram neles, pois as peças usadas em um eram totalmente diferentes daquelas usados no outro. Além disso, existiam peças faltantes, fios cortados no interior, potenciômetros e chaves com defeito, muita ferrugem, muitas peças não originais... um caos completo.

Por algum motivo que não sei descrever, um dos prés estava com o fio da tomada cortado, enquanto o outro possuía dois fios de tomada conectados em seu interior. Como eram os fios originais, só posso concluir que alguém fez uma gambiarra absurda nestes prés: ao invés de manter as duas tomadas, preferiu emendar ambos fios dentro de um pré para ligá-los juntos. Que absurdo! Realmente tem que ser muito ignorante para se fazer algo assim: cortar os fios e emendá-los apenas para economizar uma tomada de parede.

Dois cabos de força saindo de um pré

Além disso, faltavam ainda os porta fusíveis originais, Knobs traseiros e frontais... realmente estes prés foram depenados e largados por muito tempo para estragarem completamente. Uma tristeza. Um dos prés possuía o transformador original (totalmente enferrujado) enquanto o outro possuía um transformador Willkason nacional.

Restaurações como esta exigem um planejamento muito bem estruturado, ou então perde-se muito tempo e, se não tivermos muito cuidado, o equipamento pode nunca voltar a funcionar adequadamente. Alguns detalhes que a maioria dos restauradores não observam fazem uma enorme diferença no resultado final. São segredinhos que ninguém conta, mas vou revelar alguns para vocês neste post.

Um dos principais cuidados que se deve tomar ao restaurar equipamentos é tirar MUITAS fotos, para se assegurar que até mesmo a cor e o roteamento dos fios no interior sigam o esquema original. É óbvio que a cor dos fios não alterará a sonoridade , mas manterá a originalidade visual no interior. Já o roteamento dos fios tem um enorme impacto no desempenho final do aparelho. Cada fio interno segue uma rota definida, e a alteração desta rota pode ocasionar um aumento no ruído de fundo do aparelho, dependendo de onde cada fio passar. É essencial tirar fotos para que a remontagem permaneça fiel ao que a Scott executou e planejou. No entanto, no caso deste par de prés aqui, fotos eram inúteis, já que nada no interior estava original. Tivemos de executar uma pesquisa enorme, conseguindo os documentos originais de montagem e layout, além de conseguirmos fotos em alta definição destes aparelhos, que nos ajudariam no processo de restauração.

Como os problemas eram muitos, vamos resumir  um pouco e detalhar aqui apenas os problemas mais relevantes encontrados:

1- Falta de peças originais (tampas em alumínio)
2- Circuito original modificado 
3- Componentes internos defeituosos
4- Transformador de força não original
5- Capacitores eletrolíticos defeituosos
6- Sujeira e Ferrugem
7- Fios cortados no interior
8- Knobs e parafusos faltantes

Vamos agora detalhar cada um destes problemas de maneira resumida.

1- Falta de peças originais (tampas em alumínio)

Os aparelhos chegaram até nós faltando tampas inferiores e superiores (do painel). Provavelmente alguém tentou consertá-los, desistiu na metade do caminho, e perdeu as peças originais. Novas reproduções foram feitas, ficando exatamente idênticas ás peças originais:

Sabe me dizer quais as originais e quais as réplicas?

Como somos muito perfeccionistas, até os rebites antigos foram copiados e refeitos para que fosse impossível a qualquer pessoa diferenciar a tampa original da reprodução criada!

2- Circuito original modificado 

Durante o planejamento e execução da restauração, sempre comparamos o circuito original com o esquema de fábrica da Scott, para desfazermos qualquer modificação feita posteriormente por outro restaurador. No caso destes Scott, encontramos uma infinidade de modificações, e vamos escrever aqui sobre algumas delas.


Problema 1 - Resistor flutuante

Aqui vai uma trívia: observe a imagem abaixo e nos diga o que está errado.


Resistor flutuante de 4R7

Pois é, o resistor de 4R7 / 1W acima está flutuando. Hão há nada conectado em uma das extremidades! Alguém resolveu modificar o circuito e excluir o resistor. Tivermos então de refazer a fiação e tudo foi ligado conforme esquema original. No caso deste resistor, fazia parte do circuito de alimentação dos filamentos de válvula (que nestes aparelho, usa tensão contínua).

Problema 2 - Modificações na fonte

Por algum motivo (talvez indisponibilidade de peças), resolveram substituir resistores da fonte por valores incorretos, além de removerem da fonte resistores de filtragem passa baixa.

Fonte estava modificada

As modificações foram todas desfeitas e novos componentes foram instalados exatamente como o esquema original.

Fonte sendo remontada conforme esquema original


Problema 3 - Fio de ground cortado

Em um dos prés, o terminal de ground do RCA de saída estava sem conexão. Talvez tivessem encontrado um ground loop e cortaram o ground no terminal ao invés de procurar e reparar a causa raiz do problema.

Terminal RCA sem ground

Tudo foi reconectado como deveria ser.


3- Componentes internos defeituosos

Este foi o problema que mais nos deu trabalho. Os aparelhos estavam LOTADOS dos famigerados capacitores Cherry nacionais, famosos por apresentarem fuga e alta ESR (resistência em série).

Capacitores nacionais

Normalmente a troca de capacitores em prés não é absurdamente onerosa... exceto em alguns casos como estes Scott, onde cada aparelho possui 31 capacitores!! A título de comparação, podemos citar o Pré OddWatt Audio, que possui apenas 2 capacitores de acoplamento. A Scott aqui não poupou custos e criou um pré com tantas funções tão avançadas que necessitou investir alto em componentes.

Todos os 62 capacitores (31 em cada pré) tiveram de ser trocados. Para a troca, vou revelar a vocês o primeiro segredo dos restauradores perfeccionistas: testar cada um dos capacitores novos a serem instalados. Mas não é um teste comum e simples: para cada capacitor que instalamos, testamos por capacitância, ESR, fuga e localização do outside foil. Somos a única empresa de restauração do Brasil que executa estes testes, que são essenciais para a perfeita operação do aparelho a ser restaurado.

Para quem não sabe, capacitores de acoplamento não possuem polaridade. No entanto, isso não significa que podem ser instalados em qualquer orientação. Estes capacitores possuem uma diferença entre seus terminais, conhecida por outside foil, sendo que este terminal deve ser sempre conectado no ponto de menor impedância. Testamos cada capacitor um a um para determinar o outside foil antes de instalarmos no aparelho.

Teste de capacitores

Repare que na imagem acima, os capacitores a direita já foram testados e receberam uma marca que indica o outside foil.

Novos capacitores sendo instalados

Todos os 62 capacitores foram trocados.


4- Transformador de força não original

Logo que recebemos os aparelhos, identificamos que um dos transformadores de força não era original e havia sido trocado por um nacional. Este fato, por si só, não seria um grande problema, desde que este transformador refeito seguisse exatamente as especificações do original. Só de bater o olho, já dava para perceber que não era o caso: o transformador refeito não possuía a blindagem em cobre que o original possuía.

Transformador não original

Sempre digo que nosso trabalho exige muitas horas de investigação, e aqui não foi nada diferente. Para nós, já estava claro que teríamos de confeccionar uma réplica dos transformador de força original, mas valia a pena testar este aqui para ver se eletricamente atendia os requisitos do pré. Curiosamente, não atendia nem de perto!

Os Scott 121-C utilizam tensão DC nos filamentos das válvulas, para evitar ruídos induzidos. Para isso, uma tensão de 25VAC é retificada e usada em várias válvulas com filamentos em série. Acreditem ou não, o transformador acima não possuía taps para 25VAC! O tap que estava conectado ao retificador de selênio, que deveria suprir 25VAC, somente fornecia 7VAC!

Transformador incorreto instalado

Isso significa que as válvulas deste pré estavam operando com uma tensão absurdamente baixa em seus filamentos! Este foi um erro grosseiro cometido pelo último restaurador, que claramente não entendia como o circuito funcionava. Ele podia, por exemplo, ter colocado os filamentos em paralelo e usado este transformador, mas não o fez! Simplesmente manteve tudo em série e conectou uma tensão que era menos que 1/3 do que o circuito exigia. Nota zero para quem fez isso!

Uma réplica exata do transformador de força original foi feita, e este transformador Willkason foi descartado.

5- Capacitores eletrolíticos defeituosos

Este é, com certeza, o defeito mais comum que vemos em restaurações de equipamentos vintage. Os eletrolíticos ressecam e oxidam, perdendo sua funcionalidade.

Muitos restauradores no mundo inteiro (praticamente todos) apenas inutilizam os eletrolíticos originais e os mantém presos ao chassi apenas para manter a aparência original, instalando novos escondidos embaixo do chassis. Nós, na Regence Audio, não gostamos dessa prática e preferimos restaurar os capacitores originais, primeiramente tentando trazê-los de volta em um processo super lento (de mais de 30 dias para cada capacitor multi-seção) de reforma dos eletrólitos. No caso de capacitores muito deteriorados, isso não é possível. Mesmo neste caso, nós preferimos restaurar os capacitores originais instalando correspondentes modernos em seu interior, a fim de manter a originalidade absoluta do aparelho.

No caso deste Scott, realizamos a abertura individual de cada um dos eletrolíticos, processo este que foi repetido para as 18 seções presentes. Muito trabalho!!

O primeiro passo é cortar o invólucro de alumínio do capacitor eletrolítico e remover todo seu interior.

Capacitor eletrolítico aberto

O segundo passo é limpar tudo e fazer minúsculos furos na base removida, por onde os terminais do novo capacitor se soldarão aos terminais do antigo capacitor.

Furos na base do capacitor

O terceiro passo é escolher os capacitores a serem usados e corretamente fixá-los na sequência correta, soldando os terminais destes capacitores entre si. Para fixação, sempre usamos fita de cobre ou alumínio. Os capacitores de alta tensão escolhidos foram os Panasonic de 105C, fabricados no Japão.

Capacitores montados com fita de alumínio

O quarto passo envolve passar os terminais do novo conjunto de capacitores pelos furos feitos no segundo passo, soldando-os aos antigos terminais da base do capacitor original. No caso destes capacitores da foto, usamos os Panasonic 105C fabricados no Japão em conjunto com capacitores Samsung 105C.

Montagem dos novos capacitores no invólucro original

Por fim, no quinto e último passo, ambas partes do invólucro original são lixadas, coladas e fita de alumínio é usada para o acabamento final. Está pronto! é trabalhoso, mas no final, temos o capacitor original em perfeito funcionamento e pronto para ser novamente instalado no chassis.


Capacitor original completamente reconstruído

Não conhecemos nenhum restaurador profissional no mundo que se dê ao trabalho de fazer este tipo de reconstrução de capacitores, devido às muitas horas e o alto custo de mão de obra. No entanto, escolhemos sempre esta prática para manter a originalidade e garantir um trabalho limpo e bem executado. Muitas vezes, a opção pelo mais barato sai muito mais caro a longo prazo!

Todos este trabalho foi feito com as 18 seções de eletrolíticos presentes nos Scott 121-C, pois todos estavam totalmente ressecados e inoperantes.

6- Sujeira e Ferrugem

Sujeira e ferrugem são um problema antigo e conhecido nestes equipamentos que ficam por muitos anos parados e sem uso. Estes Scott parecem ter sido deixados mal armazenados por muitos anos, e ficaram bastante judiados.

Primeiramente removemos o transformador original para uma limpeza e repintura.

Transformador original

É importante lembrar que é necessário remover TODA a ferrugem antes da pintura. Pintar por cima só encobrirá o problema por poucos meses ou anos e de nada adiantará! No caso de transformadores, precisam ser desmontados e cada lâmina EI deve passar por um processo de limpeza.

Transformador após pintura

Os chassis também estavam absurdamente sujos e oxidados. Os chassis destes aparelhos são de alumínio e não podem ser usados neles abrasivos, pois riscariam e prejudicariam o visual original. Foi preciso ser feita uma limpeza manual com produtos específicos. Já tentei de tudo que se encontra no mercado nacional, mas nada nunca deu um resultado tão bom quanto os produtos importados para limpeza automotiva. Apesar da enorme demora para se importar estes produtos, o resultado compensa!

Sujeira e ferrugem

Chassis sendo limpos

Por nós, nada passa despercebido. Cada uma das porcas que prendem os potenciômetros (mais de 60 destas) foram lixadas a mão, polidas e limpas!

Arruelas antes e depois da limpeza

Limpar tudo foi extremamente trabalhoso, mas o resultado valeu a pena :)


7- Fios cortados no interior

Esta é uma parte do trabalho muito investigativa. Quando recebemos aparelhos que claramente já foram modificados por outros, temos de investigar e analisar cada ligação interna para nos certificarmos que tudo está em ordem. São gastos dias, com um checklist enorme de verificações a serem cuidadosamente analisadas e testadas, a fim de tentarmos evitar que qualquer mínimo problema passe despercebido. No caso destes Scott, existiam problemas sutis e muito bem escondidos, enquanto outros eram muito óbvios.

Fios na fonte emendados com fita crepe

Cabos da chave de power cortados

Encontramos inúmeros problemas de fios cortados, mas não vamos relatar todos aqui. Basicamente seguimos e analisamos todas as conexões conforme esquema e refizemos tudo da forma como deveria ser, substituindo fios de cor errada ou peças defeituosas durante esta análise.

8- Knobs e parafusos faltantes

A falta de knobs originais é sempre um grande problema. Réplicas dos knobs originais podem ser usinadas e um processo de acabamento novo pode ser feito (neste caso aqui, a anodização do alumínio para dar a cor dourada). O grande problema é que, claramente, os knobs parecerão muito mais novos que o restante da peça, deixando óbvio que algo foi feito.

Para sanar este problema e tentar manter o visual original, optamos por usar nossa rede de contatos nos EUA para localizar e importar knobs originais antigos para o aparelho. Foram importados tanto os knobs traseiros em baquelite fabricados pela Chicago Co. quanto os de alumínio frontais faltantes. O úncio problema é que, mitos knobs em alumínio, apesar de terem vindo com o aparelho, chegaram até nós falntando os minúsculos parafusos que o prendem ao eixo do potenciômetro. E, para piorar as coisas, no caso destes aqui, o passo da rosca não era padrão!!

E agora????

Calma, usinamos novos parafusos e ficaram perfeitos :)

Knob original e parafuso de fixação usinado

Reparos finais

Tudo estava pronto, terminado e conferido. Agora era hora de instalar válvulas New Old Stock e ouvir. Sempre, em todos nossos reparos, executamos uma audição de pelo menos 8h seguidas em cada aparelho. O objetivo disso é garantir que tudo está realmente funcionando como deveria e que, o uso prolongado não trará surpresas. Estes Scott ilustram bem a necessidade deste procedimento que adotamos: após tocarem bem por cerca de 3 horas, um dos aparelhos começou a apresentar um forte ruído de fundo.

Novamente desmontamos o aparelho e encontramos um resistor de placa ruidoso:


Resistor defeituoso encontrado durante audição

Feito o novo reparo, reiniciamos nossa audição de 8h seguidas, que transcorreu sem problemas! Os prés estavam terminados e prontos para devolução ao proprietário!


Aparelhos terminados

Até a próxima meus amigos, e espero que tenham gostado da postagem longa! Para quem gosta dos vintage valvulados, tenho certeza que foi uma leitura interessante :)

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