É hora de mais uma postagem meus caros! Aqui estamos nós de volta com um novo restauro, direto dos estúdios analógicos deste Brasil!
A estrela de hoje é um gravador STUDER B67. Vocês devem ter percebido que raramente postamos sobre gravadores de rolo aqui, e isso é porque usualmente não aceitamos este tipo de equipamento para restauro. Explicamos o porquê em nossa postagem anterior, mas de maneira resumida, estes aparelhos fogem muito de nosso core business (nos especializamos em valvulados) e não temos estoque de peças de reposição para eles. Isso faz com que necessitemos importar peças, o que eleva os custos e traz incertezas quanto ao prazo e valores de execução do serviço, dificultando cumprirmos as exigências do código de defesa do consumidor como empresa. No entanto, em certas ocasiões (como no caso de contratos especiais de prestação de serviço), aceitamos estes reparos sob condições previamente negociadas, o que permitirá a vocês acompanhar nosso trabalho e nossas dicas para um tipo de equipamento pouco habitual de se aparecer aqui no Blog :)
Para quem não conhece, este é um gravador profissional de duas pistas, para fitas de 1/4 de polegada. Existiram várias versões do B67, que podia ser 'customizado' no ato da compra, a fim de atender a necessidade individual de cada estúdio. A versão que apresentamos hoje para restauro é o mais raro deles, a versão MKII com suporte e VUs superiores, no carrinho original Studer, com cabeças do tipo Butterfly. É uma máquina linda, uma peça central e de destaque para qualquer setup hi-end e para nenhum estúdio colocar defeito! Como este será um trabalho muito longo e com muitas explicações ao longo do caminho, vamos dividir em partes nossas postagens do restauro, para não ficar muito longo e monótono. Vou aproveitar para contar um pouco da estória da marca e também dar algumas dicas importantes para quem nunca trabalhou com este tipo de equipamento antes.
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Diferentes versões do B67 |
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Par de B67 em uso em estúdio |
Recebemos este aparelho bem tristezinho coitado! Nenhuma das funções básicas funcionava: o transporte não respondia aos comandos, o sinal de áudio de entrada não aparecia na saída monitorada, nenhum dos motores de take up e supply rodava, e nenhum dos VUs acendia ou se movia com o sinal aplicado. Além de tudo isso, o motor do capstan também não funcionava corretamente, girava sempre em velocidade muito baixa (quase parando), independentemente da velocidade selecionada nas chaves de seleção. Em resumo, a única coisa que 'funcionava' eram algumas lâmpadas que acendiam, e mesmo assim, nem todas acendiam! Nenhum botão atuava absolutamente nada.
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Studer B67, como o recebemos. |
Para quem não está familiarizado com a marca, vamos começar com uma rápida estória sobre a Studer e a Revox, especialmente para quem não conhece a relação entre ambas. A Studer nada mais é que a empresa mãe, de Willi Studer, que desenvolveu e criou gravadores de rolos para uso profissional desde sua fundação. Com o intuito de diversificar seu mercado e atingir um novo público, a Studer criou uma nova marca, a Revox, destinada a desenvolver equipamentos para uso amador e residencial, enquanto a Studer permaneceu desenvolvendo equipamentos para uso profissional em estúdio e broadcast. Obviamente, sendo empresas sob um mesmo comando, muitas das peças usadas por uma era também usada nos equipamentos da outra, o que nos leva a apresentar brevemente algumas dicas sobre o reparo destes equipamentos.
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Willi Studer |
Para quem nunca trabalhou com equipamentos destas marcas, vale a pena ressaltar que são excelentes equipamentos, mas parte dos capacitores usados não envelhecem muito bem. Veja que estamos falando de capacitores com 50 anos de fabricação, e nunca se é esperado que componentes tenham uma vida útil tão grande. Supreendentemente, muitos capacitores japoneses se provaram quase indestrutíveis, mantendo seu perfeito funcionamento mesmo após 50 anos, como os Nichicon, Nippon,-Chemicon, dentre outros. É claro que isso não pode ser tomado como regra absoluta, mas usualmente é difícil encontrar capacitores japoneses (usados no TEAC, Pioneer, etc) muito fora das especificações de maneira sistemática . Infelizmente, estes capacitores não foram utilizados pela Revox e Studer, que optou por capacitores que não envelheceram tão bem, sendo que alguns deles são famosos por apresentarem problemas em larga escala. Seria esperar demais que componentes durassem 50 anos, é claro, e a Studer usou excelentes componentes, que funcionaram bem pelo tempo para os quais foram projetados, mas hoje, com mais de 50 anos de uso, a troca de muitos deles se faz necessária.
Os primeiros capacitores que iremos alertar aqui são os eletrolíticos FRAKO, usados amplamente nos Revox e Studer. Estes capacitores usualmente não envelhecem bem, mas muitos ainda estão funcionando e ainda dentro da tolerância. Apesar disso, é importante ressaltar que é comum encontrar alguns abertos ou em curto. Vale a pena ficar atento a eles e eventualmente, fazer um recap (troca dos capacitores) com bons capacitores importados (recomendo os japoneses citados anteriormente, ou os Epcos TDK).
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Capacitores eletrolíticos FRAKO |
Os segundos capacitores de alerta são os BLUE e GREEN TANTALUM, capacitores de tântalo que podem eventualmente entrar em curto (infelizmente o modo de falha destes capacitores é sempre um curto, o que os torna perigosos em algumas partes do circuito). A troca destes não é mandatória, exceto em seções muito críticas e com CIs impossíveis de se obter. É uma manutenção preventiva.
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Capacitores Green Tantalum |
Os terceiros capacitores, cujo alerta é mais severo, são os famosos RED DEVIL. Não é a toa que recebem este nome! Estes devem ser trocados sempre que possível de maneira preventiva, e obrigatoriamente quando estão próximos a circuitos e integrados críticos. Sempre falham em curto, e podem levar consigo outros componentes próximos.
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Capacitor RED DEVIL |
Por fim temos os capacitores RIFA. Estes são conhecidos como TIME BOMBS, pelo fato de serem bombas relógio prontas a explodir a qualquer instante, com direito a um não-tão-belo show pirotécnico. O invólucro destes capacitores falha com o tempo, surgindo trincas através das quais o ar ambiente entra, permitindo a oxidação dos eletrodos internos devido ao oxigênio no ar. O resultado? Um curto direto. O fato destes capacitores serem sempre empregados em pontos de circuito com presença de altas tensões AC (usualmente acima de 100VAC) resulta em danos graves quando falham. Devem ser sempre trocados por capacitores modernos com certificação X2, a qual garante falha em aberto e impede que futuras falhas graves aconteçam novamente.
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Capacitores RIFA |
Como devem ter percebido, o grande ponto fraco dos Revox e Studer são os capacitores, e grande parte dos problemas é causado por eles. É importante lembrar que estas dicas devem ser utilizadas com cautela e bom senso. Não recomendo de forma alguma que alguém decida 'consertar' um equipamento fazendo um recap, pois recap não é conserto! Muito pelo contrário, muitas vezes trocar centenas de capacitores de uma só vez sem antes diagnosticar a causa dos defeitos presentes pode acabar é gerando mais problemas. A troca de centenas de componentes a esmo sempre traz sérios riscos de erros e danos: componentes errados podem ser instalados por engano, a polaridade pode ser inadvertidamente trocada, trilhas das placas de dupla face podem ser danificadas, dentre uma infinidade de outros problemas. Até mesmo os componentes novos devem ser obrigatoriamente testados antes de serem instalados, pois não é muito incomum um componente novo estar fora das especificações, devido a longos períodos em prateleira por exemplo. É muito fácil encontrar em fóruns internacionais uma infinidade de relatos desesperados de pessoas que, ao tentarem 'reparar' defeitos através de um recap, acabaram com equipamentos ainda menos funcionais do que quando começaram, e aí vem o desespero, pois além de achar os defeitos iniciais que continuam presentes (ou se agravaram), ainda é necessário achar e corrigir todos erros cometidos durante o enorme desmanche e recap feito sem necessidade e sem critério. Um risco ainda maior existe: um componente instalado incorretamente pode queimar um CI impossível de se obter no mercado, tornando o reparo agora impossível. Uma observação importante para os Studer é que sempre usam placas dupla face, com trilhas extremamente frágeis, especialmente quando manuseadas com equipamentos de solda e dessolda inadequados. É fácil também achar relatos na internet sobre pessoas que destruíram placas perfeitas e impecáveis ao tentarem dessoldar capacitores desnecessariamente. O correto em um reparo é primeiramente diagnosticar TODOS os problemas, repará-los, e depois de ter certeza que os circuitos funcionam, proceder com a troca preventiva de componentes funcionais, mas sujeitos a problemas no futuro próximo. Proceda sempre com cautela e com calma. A pressa nestes restauros delicados só atrasa o processo, e tentar achar atalhos muitas vezes pode te fazer se perder no caminho. É importante planejar bem, para se executar só uma vez. Como diz o velho ditado americano: plan twice, build once.
Chega de papo né? Bora trabalhar! Compartilharemos o início deste trabalho em breve, na próxima parte, e esperamos que estas dicas e alertas evitem que estes raros equipamentos que tanto tentamos preservar possam ser melhor tratados por quem os guarda, usa e repara :)
Para finalizar, deixo com vocês esta bela propaganda do B67, de uma época em que tudo era feito para durar...